O Filme do Bruno Aleixo(2020)
de João Moreira e Pedro Santo, com Adriano Luz, Rogério Samora, José Raposo, João Lagarto, Fernando Alvim, e Gonçalo Waddington
“Não durmas
todo nú. A casa pode arder e depois ficas cá fora, pelado.”;
“Nunca mijes
para uma ficha de eletricidade. Mija antes para feridas tuas, ou de pessoas de
quem gostes. É antisséptico”;
“Não vás ao
café do Aires. Uma vez trabalhei lá no Verão, e ele mexia todas as bebidas com
a pila (...)”;
Estas pérolas
de sabedoria popular não vêm da parte de um avô meu da Bairrada (eu nem
sequer tenho família na Bairrada, mas para efeitos de exemplo, isto serve),
ou de um qualquer primo em segundo ou terceiro grau de Castelo Branco (idem
para isto), ainda que pudessem... Estes conselhos intemporais e
incrivelmente úteis são, no entanto, da autoria de Bruno Aleixo.
Bruno Aleixo:
parte ewook; parte cão; parte cidadão do mundo, e cem porcento português,
dotado de um “tuguismo” muito familiar a todos, e que depois de inúmeras viagens
de sucesso ao longo dos anos por meios de difusão que passam desde o Youtube,
Instagram e Facebook, à Televisão, Rádio, Escrita, e até mesmo
aos palcos, num sem-fim de formatos (“Os Conselhos Que Vos Deixo”; “O Programa
do Aleixo”; “Aleixo no Brasil”; “Aleixo FM”; “Bruno Aleixo – Biografia não
autorizada”, entre outros. A lista de formatos é extensa – e ainda bem! -), chega-nos
“agora” (“agora” como quem diz: no ano que passou) ao cinema, no formato
de uma incrivelmente inusitada comédia, com um molde inesperado, improvável,
mas de sucesso, e que continua e expande sobre a tradição daquilo que é o “Bruno
Aleixo” e a sua pandilha (Busto, Renato Alexandre, Homem do Bussaco, Seu Jaca,
e o Nelso).
Ainda que eu
seja realmente – uma das - pessoas mais suspeitas do mundo para falar do “Filme
do Bruno Aleixo” (2020), por ser um fã acérrimo deste tipo muito particular de
humor made in Portugal, da autoria de João Moreira e Pedro Santo, tendo
surgido a oportunidade de escrever sobre este filme (que já tinha visto em
cinema quando estrou), não pude deixar que a oportunidade me passasse ao lado,
já que me dava uma boa oportunidade de rever o filme, agora com o devido
distanciamento, e perceber se era efectivamente tão bom quanto me tinha
parecido da primeira vez que o vi. E, tal como já imaginava: era – e é -, tão
bom quanto me havia parecido da primeira vez que o vi!
Ainda que já
conhecesse o filme e a história, o puro nonesense e não
linearidade-linear da premissa continua a dar-lhe frescura e a fazer-me rir de
uma forma constante. Aliás, parte da genialidade do filme assenta mesmo
nessa tão bem pensada premissa, apresentada pelas próprias personagens do filme
da forma mais coloquial do mundo: “(...) Ligou-me um homem que tem uma empresa que faz
filmes. E quer que eu lhe faça um filme, lá para a empresa dele
(...)”. Portanto, é assim que se gera o filme, que na verdade é um filme sobre
filmes, feito por pessoas que gostam – e percebem – claramente muito de filmes,
para outras pessoas que também gostam – e que podem ou não, perceber muito – de
filmes. Um conjunto de “what ifs” sobre o que poderia ser um potencial
filme do Bruno Aleixo, discutido numa mesa de café, explorando todos os
lugares-comuns do audiovisual (cinema e televisão, não é pretensioso ao
ponto de só escolher cinema) de produção nacional e internacional da forma mais
descomprometida que se possa imaginar, na óptica de cinco pontos de vista muito
diferentes, muito típicos, muito engraçados, e muito toscos.
Nestes tempos
de pós-modernidade, em que apropriação reina, este filme é um dos melhores
exemplos de “como o fazer bem”. Pega em fórmulas, construções, ideias e códigos
– lá esta, os lugares comuns que há pouco referi -, com os quais crescemos, mas
apresentam-nos sempre com um twist plausível e um toque naive – cem
porcento intencional quando o é – e improvável, acabando este esquema por
nunca se tornar repetitivo (vi duas vezes, e via facilmente uma terceira. E
aposto que me ria à mesma). Há sempre um ponto de vista crítico sobre o
conteúdo que se predispõem a referenciar, mas nunca sério, nem nunca snob! E é
isso que me agrada tanto nesta elaborada e divertida desconstrução do audiovisual:
não se arma em chico-esperto, (ainda que as personagens tenham o seu quê de
chico-espertismo, mas como estamos em Portugal, e são portugueses, quem nunca?
E como não?!)! Falam de filmes como quem fala de futebol, porque estão no
contexto perfeito para isso: no café. E isto é igualmente perfeito e familiar para
o espectador, já que é uma realidade bem conhecida de qualquer português digno
desse nome.
Temos novelas,
temos noirs, temos thrillers, temos pornos, temos programas de televisão dos
anos 90, temos publicidade! Temos também – e improvavelmente – actores
(!), numa escolha de casting económica, mas perfeita: Adriano Luz, Rogério Samora, José Raposo, João Lagarto, Fernando Alvim, e
Gonçalo Waddington, no papel de actores, a fazer de actores, a fazer de
personagens, a fazer de actores (?) – confusos? Não fiquem: o meta incansável
do filme nem aqui desliga, e isso é excelente! -. Nada dá mais gozo do que ver
as personagens do universo do Bruno Aleixo a pensar em voz alta nas potenciais
histórias, para o potencial filme, e nos potenciais actores para os
potencialmente representar, com (preparem-se): dobragens perfeitas com as suas
vozes, numa decisão de realização brilhante e que uma vez mais reforça a
dimensão de matrioska gigante de autorreferenciação, self-awareness, e
humor de todo o filme.
É claro que são autores que sabem bem do que
falam, e que também se fizeram rodear de profissionais que – igualmente
– sabem bem do que falam – e fazem -! A variedade de géneros é pretexto para um
playground artístico gigantesco num pastiche visual, narrativo, e
sonoro com um trabalho impecável da exploração de cada mood. Um logo de
tv aqui, uma saturação acolá, uma gargalhada de lata no fundo, uma colorização
diferente ali, uma batidela de prato no outro lado... É um trabalho super-económico
e inteligente, mas sempre muito, muito eficaz – reforço é necessário porque o
filme é mesmo muito, muito bom -, porque serve sempre a história da
melhor forma.
Para terminar, e como já devem ter
percebido, não tenho nenhuma critica a apontar a este filme. Não sei se isso
faz de mim um critico menos bom, mas espero francamente que não. Simplesmente
acho que o filme é uma comédia de tal forma diferente e bem construída que não
lhe posso apontar nada.
Vejam o filme, e lembrem-se:
“(...) não vão ao café do Aires...
(...)”. Já sabem o que é que ele faz.
Conselhos que vos deixo, não meus, mas do Bruno Aleixo.
O meu é só mesmo que vejam o filme, que vão dar umas valentes gargalhadas. Principalmente
se gostarem mesmo de filmes e de televisão.
